Proposta para aplicativos compromete Previdência

Apesar das discussões sobre a necessidade de novas mudanças na Previdência Social para conter o crescente déficit, o governo Lula (PT) enviou ao Congresso projeto de lei para regulamentar a categoria de “motoristas de aplicativo de veículo de quatro rodas”, como Uber, 99, eInDrive, e incluí-los no regime previdenciário sem saber quanto isso vai custar para os cofres públicos. Representantes do governo reconheceram no Congresso que o projeto “não se sustenta” do ponto de vista atuarial. Mas mesmo assim o encaminharam para votação, em regime de urgência. O texto foi enviado com estimativas de receitas e despesas no curto prazo e, conforme informaram em resposta ao Valor por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), também sem nenhum estudo de qual será o impacto de longo prazo na Previdência.

 “OPLPn o 12,de 2024,[…]estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para melhoria das condições de trabalho. Não obstante, esta SRGPS [Secretaria de Regime Geral de Previdência Social] não ficou responsável pela elaboração dos referidos estudos e notas técnicas solicitados no pedido em análise”, respondeu o Ministério da Previdência após questionamento do Valor pela LAI. O Ministério do Trabalho encaminhou notas técnicas sobre o processo de elaboração do projeto, mas também sem esses cálculos. O projeto cria a categoria de motorista de aplicativo, com remuneraçãomínimaporhora trabalhada (R$ 32,09), contribuição previdenciária (1,8% sobre o faturamento do trabalhador e 5% da empresa) e regras para exclusão e suspensão das plataformas.

 Com a contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que será obrigatória, o motorista passará a ter direito à aposentadoria, pensão por morte ou por invalidez, licença-maternidade e auxílio-acidente. Inicialmente, o governo enviou o projeto sem nenhuma estimativa do impacto orçamentário da medida. Após questionamentos, informou à imprensa que deve arrecadar R$ 279 milhões por ano com as contribuições — valor que tem por base pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontou 778 mil pessoas em 2022 cuja principal atividade profissional eram os aplicativos de transporte de passageiros. O governo, contudo, não estimou qual será o custo dessa contribuição subsidiada nos gastos da Previdência Social — que cresceu 17,2% ano passado e atingiu R$ 306 bilhões. 

Apenas para efeitos de comparação, se cada um desses 778 mil trabalhadores passasse a ganhar o piso de aposentadoria do INSS hoje, a despesa anual seria de R$ 14,2 bilhões. Em audiência pública na Câmara em abril, o secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo Portal, admitiu que sua equipe tem “muita preocupação” com o impacto para a sustentabilidade do regime previdenciário, mas defendeu que a proposta era fruto do compromisso do atual governo de garantir o mínimo de direitos para a categoria.“O Estado brasileiro,ao propor o texto,está assumindo o ônus de uma necessidade de financiamento da Previdência. Resumidamente, o Estado assume um buraco. 

Esse desenho de contribuição, do ponto de vista atuarial,não se sustenta”,disse. Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de São Paulo, o economista Rogério Nagamine concorda que é fundamental garantir proteção aos trabalhadores, mas ressalta que também é importante que isso ocorra de forma sustentável e que a falta de estudos “é preocupante”. “Não adianta fazer um modelo que comprometa o financiamento do sistema. A aposentadoria rural e o MEI [Microempreendedor Individual] já são desequilibrados. 

O país ficará com despesa muito alta e com uma receita muito pequena no futuro”, alerta. O ideal, diz, seria aumentar os encargos sobre as plataformas para compensar a alíquota menor do trabalhador. Apesar do subsídio, o governo enfrenta dificuldades para aprovar a proposta porque os motoristas estão divididos entre os que defendem o vínculo com a Previdência para garantir mais proteção em caso de acidentes e os contrários a repassar parte de seus ganhos para o governo. 

O Executivo precisou recuar do requerimento de urgência otexto foi enviado as comissões, onde os motoristas pressionam para que a contribuição seja opcional ou pelo MEI — que é facultativo. Relator do projeto na Comissão de Desenvolvimento Econômico,o’deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) afirmou que não há como deixar a contribuição opcional, mas antecipou ao Valor que permitirá aqueles que atuam como motoristas para complementação de renda, mas já contribuem em outras atividades profissionais para o INSS, não precisarão recolher mais encargos previdenciários pelas plataformas. 

“Do ponto de vista da Previdência, esse trabalhador já está segurado”, disse. Líder da oposição no Senado, e ex-secretário especial da Previdência no governo Bolsonaro (PL), o senador Rogério Marinho (PL-RN) afirmou que o governo Lula desrespeitou as leis fiscais ao não apresentar as estimativas de impacto do projeto. “Não esperava nada diferente vindo de um governo cujo ministro da Previdência [Carlos Lupi] não reconhece a existência de déficit.

Fonte: Valor

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